Tema de intermináveis discussões no governo e
na iniciativa privada, a Resolução 13 do Senado Federal, publicada em 26 de
abril de 2012, tem causado polêmica tanto pela complexidade tributária
envolvida quanto pela insegurança jurídica que gerou a respeito de determinadas
operações de importação.
A Resolução resulta de um esforço para acabar
com o que se denomina "guerra dos portos" - traduzida em benefícios
tributários concedidos por algumas unidades da federação de forma unilateral
(notadamente Santa Catarina, Espírito Santo e Goiás) -, por meio da unificação
da alíquota interestadual do ICMS em 4%. Atualmente, pela concessão de
benefícios fiscais, os Estados estimulam a entrada de produtos importados em
seus territórios sem a autorização prévia do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz).
Conforme legislação em vigor (Resolução 22/1989
do Senado Federal), a depender do Estado de origem e de destino das
mercadorias, as vendas interestaduais são tributadas às alíquotas de 12% ou 7%.
Nesse contexto, a "guerra dos portos" consiste na concessão de
incentivos fiscais, normalmente na forma de crédito presumido, a fim de atrair
empresas importadoras e estimular a própria competitividade estadual no cenário
nacional. Por este meio, a carga tributária total de ICMS resultante da venda
interestadual de produtos importados por Estados que concedem benefícios
unilaterais pode ser reduzida a 3%. São esses benefícios, não celebrados via
convênios no âmbito do Confaz, que a Resolução 13 busca atingir com a
unificação da alíquota de ICMS em 4% para todas as operações interestaduais.
Estados são livres para definir a forma dos seus sistemas tributários, desde que não violem os acordos da OMC.
Estados são livres para definir a forma dos seus sistemas tributários, desde que não violem os acordos da OMC.
Que é necessário terminar com essa guerra
fratricida, não há discussão. Tampouco há dúvida da inconstitucionalidade desses
benefícios, que violam as regras de convivência federativa. Mas embora a
unificação da alíquota possa reduzir os efeitos da guerra fiscal, a atual
Resolução fez uso conceitos abertos, estabeleceu prazo exíguo para sua
implementação, criou clara distinção entre produtos nacionais e importados,
além de dar ensejo a dúvidas quanto à aplicação da alíquota e à forma de
comprovação de que se trata de produto importado.
Por exemplo, a Resolução define Conteúdo de Importação como o "percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação", abrindo margem para interpretação do que seria a "parcela importada" (talvez o custo da importação? ou o valor total pago ao exterior?), além de não definir quais critérios serão utilizados para a certificação de origem dos produtos estrangeiros.
Por exemplo, a Resolução define Conteúdo de Importação como o "percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação", abrindo margem para interpretação do que seria a "parcela importada" (talvez o custo da importação? ou o valor total pago ao exterior?), além de não definir quais critérios serão utilizados para a certificação de origem dos produtos estrangeiros.
Por outro lado, a Resolução não deixa claro se
a alíquota unificada de ICMS em 4% deve ser aplicada apenas à primeira venda
interestadual da mercadoria importada, ou se, diferentemente, tal alíquota
seria aplicada a cada operação interestadual com o mesmo produto importado.
Ainda, também não se sabe como se comprovaria o conteúdo importado, já que não
há barreiras fiscais nas fronteiras estaduais e não há um controle físico para
o transporte interestadual de mercadorias importadas.
Ademais, a Resolução criou clara distinção
entre bens nacionais e importados, na medida em que alterou, apenas para os
bens importados, a aplicação da alíquota harmonizada. Dessa forma, tanto no âmbito
do Mercosul, com fulcro no artigo 7, como no âmbito da OMC, com fulcro artigo
III do GATT, a Resolução 13 pode ser objeto de demandas e questionamentos no
contexto do comércio internacional. Com efeito, a OMC já definiu no caso United
States - Tax Treatment for "Foreign Sales Corporations" (United
States - FSC) que, ainda que os Estados sejam livres para definir as feições de
seus sistemas tributários, tal liberdade não permite que um membro adote
medidas tributárias que afrontem acordos da Organização Mundial do Comércio
(OMC) ou que tal liberdade justifique medidas distorcivas para compensar
desvantagens comerciais criadas pelo próprio sistema tributário nacional.
O caso United States - FSC, aliás, deveria ser bastante estudado pelas nossas autoridades tributárias. Neste caso, os Estados Unidos criaram um mecanismo de compensação para reduzir impostos para exportadores, alegando que a estrutura tributária europeia outorgava competitividade a seus exportadores. A OMC condenou o mecanismo (caracterizado como subsídio à exportação), considerando, em suma, que as distorções do sistema tributário de cada país não justificam violações às regras multilaterais. Como lição, estabelece que regras tributárias mais simples e transparentes, com efeito horizontal, são as preferíveis para estabelecer a competitividade num mundo de intensas trocas comerciais.
O caso United States - FSC, aliás, deveria ser bastante estudado pelas nossas autoridades tributárias. Neste caso, os Estados Unidos criaram um mecanismo de compensação para reduzir impostos para exportadores, alegando que a estrutura tributária europeia outorgava competitividade a seus exportadores. A OMC condenou o mecanismo (caracterizado como subsídio à exportação), considerando, em suma, que as distorções do sistema tributário de cada país não justificam violações às regras multilaterais. Como lição, estabelece que regras tributárias mais simples e transparentes, com efeito horizontal, são as preferíveis para estabelecer a competitividade num mundo de intensas trocas comerciais.
Finalmente, o prazo para a entrada em vigor da
Resolução - 01 de janeiro de 2013 - e toda a incerteza que ronda a efetiva
implementação da medida até esta data tem provocado imprevisibilidade entre
importadores nacionais. E isso porque os contratos de importação - muitas vezes
anuais - terão que ser revistos, a logística das operações de importação teria
que ser alterada para garantir insumos a preços competitivos, e proliferarão as
demandas judiciais contestando a Resolução.
A resposta a essas perplexidades reside, paradoxalmente, no aprofundamento da harmonização do ICMS: estipulação de alíquota de 4% para todo o comércio interestadual, ainda que um prazo de acomodação seja necessário. Uma regra geral reduzirá complexidade e incertezas, permitirá melhor planejamento e terá efeito mais concreto sobre o flagelo da guerra fiscal.
A resposta a essas perplexidades reside, paradoxalmente, no aprofundamento da harmonização do ICMS: estipulação de alíquota de 4% para todo o comércio interestadual, ainda que um prazo de acomodação seja necessário. Uma regra geral reduzirá complexidade e incertezas, permitirá melhor planejamento e terá efeito mais concreto sobre o flagelo da guerra fiscal.
* Welber Barral é doutor em direito
internacional (USP) e sócio da Barral M Jorge Consultores Associados; Renata
Vargas Amaral é doutora em direito internacional (Univ. Maastricht) e sócia da
Barral M Jorge Consultores Associados.
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