quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

LIBERAÇÃO MEDIANTE GARANTIA NA ESFERA ADMINISTRATIVA

1. O QUE TIVEMOS NO PASSADO

Se a fiscalização fizesse qualquer exigência quando da conferência aduaneira e com ela o importador não concordasse, poderia solicitar a lavratura de Auto de Infração, consignando a a infração pretendida, para que o importador exercesse seu direito de defesa.

A impugnação abre a lide e no passado a questão estava pacificamente resolvida pela PORTARIA MF 389/76, que autorizava o depósito. E explicitava os casos de sua não aplicação a:

a) regimes aduaneiros especiais (exceto drawback);

b) ausência de guia de importação;

c) necessidade de manifestação de outro órgão;

d) aplicação da pena de perdimento.

Tratava-se de um direito líquido e certo do importador, que era exercido constantemente nos armazens aduaneiros sem muita burocracia.

2. O QUE TEMOS HOJE

Pesquisando o site da Receita não encontramos mais a Portaria MF 389/76 como norma vigente. Porém, nunca tivemos ciência de sua revogação mas ao que consta ela não é mais aplicada.

Pelo que vemos apenas duas normas vigente falam na possibilidade de depósito do valor pretendido pelo fisco para liberação da mercadoria. A primeira é a famigerada Portaria MF 228/02, que cuida dos procedimentos especiais. A outra ou é o Regulamento Aduaneiro.

2.1 – A PORTARIA MF 228/02

Esta Portaria, que tanta celeuma tem causado, em seu art. 7º abra a primeira possibilidade de depósito como garantia para liberação da mercadoria:

Art. 7º Enquanto não comprovada a origem lícita, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos necessários à prática das operações, bem assim a condição de real adquirente ou vendedor, o desembaraço ou a entrega das mercadorias na importação fica condicionado à prestação de garantia, até a conclusão do procedimento especial.

§ 1º A garantia será equivalente ao preço da mercadoria apurado com base nos procedimentos previstos no art. 88 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, acrescido do frete e seguro internacional, e será fixada pela unidade de despacho no prazo de dez dias úteis contado da data da instauração do procedimento especial.

Porém, inúmeros importadores não estão em procedimento fiscal e têm enfrentado exigências que entendem descabidas e gostariam de depositar o valor exigido para liberar a mercadoria.

2.2 – O REGULAMENTO ADUANEIRO (Dec. 6.759/09)

A segundo norma que encontramos e que trata desta questão é o Regulamento Aduaneiro que, no item referente à conferência aduaneira, dispõe sobre a possibilidade de depósito, porém acrescenta algo no parágrafo 4º do art. 570, abaixo transcrito, que torna difícil definir quando existe esta possibilidade:

Art. 570. Constatada, durante a conferência aduaneira, ocorrência que impeça o prosseguimento do despacho, este terá seu curso interrompido após o registro da exigência correspondente, pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável.

§ 1o Caracterizam a interrupção do curso do despacho, entre outras ocorrências:

I – a não-apresentação de documentos exigidos pela autoridade aduaneira, desde que indispensáveis ao prosseguimento do despacho; e

II – o não-comparecimento do importador para assistir à verificação da mercadoria, quando sua presença for obrigatória.

§ 2o Na hipótese de a exigência referir-se a crédito tributário, o importador poderá efetuar o pagamento correspondente, independentemente de processo.

§ 3o Havendo manifestação de inconformidade, por parte do importador, em relação à exigência de que trata o § 2o, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil deverá efetuar o respectivo lançamento, na forma prevista no Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972.

§ 4o Quando exigível o depósito ou o pagamento de quaisquer ônus financeiros ou cambiais ou o cumprimento de obrigações semelhantes, o despacho será interrompido até a satisfação da exigência

Qual o ato normativo que esclarece “Quando exigível o depósito…” ? Desconhecemos. Ademais, ao usar a expressão “quando exigível” não está dando esse poder ao importador. Ou a lei lhe dá esse direito ou fica ao alvedrio do Fisco.

Assim, um direito liquido e certo concedido ao importador no passado ao que vemos ficou para ser concedido ou não pela autoridade aduaneira. A Portaria MF 389/76 esclarecia que o depósito seria permitido sempre que fosse aberta a lide, isto é, com a impugnação. Essa regra pode ser aplicada agora?

  1. O QUE DIZ O JUDICIÁRIO

Inúmeras são as manifestações do judiciário, onde é vasta a jurisprudência autorizando a medida. Citamos apenas duas, transcritas do trabalho do advogado AUGUSTO FAUVEL DE MORAES:

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TRIBUTÁRIO, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE MERCADORIA IMPORTADA – CAUÇÃO NO VALOR DA MERCADORIA.

1 – A liberação de mercadoria importada apreendida em procedimento fiscalizatório, em razão de suspeita de subfaturamento, é possível mediante apresentação de garantia (caução no valor da mercadoria – o art. 7º da IN/SRF nº 228, de 21/10/2002).

2 – A teor do art. 169, II, do Decreto-Lei nº 37/1966, a pena cominada para o caso de subfaturamento de preço de mercadoria importada é de multa equivalente a 100% (cem por cento) da diferença; quando não há comprovação irrefutável de que a nota fiscal apresentada pelo importador foi adulterada, é equivocada a retenção dos produtos importados.

3 – Agravo de instrumento provido.

4 – Peças liberadas pelo Relator, em 13/4/2010, para publicação do acórdão.” (AG nº 2009.01.00.045316-1/DF – Relator Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral – TRF/1ª Região – Sétima Turma – UNÂNIME – e-DJF1 03/5/2010 – pág. 175.)

…………………………………………………………………………………………………………

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – INDEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE MERCADORIA MEDIANTE OFERECIMENTO DE CAUÇÃO NO VALOR DAS MULTAS PREVISTAS NO ART. 33 DA LEI Nº 11.488/2007 – A LIBERAÇÃO DA MERCADORIA É POSSÍVEL COM OFERECIMENTO DE GARANTIA CALCULADA NOS TERMOS DO ART. 7º DA IN/SRF Nº 228/2002.

1. A internação de mercadoria apreendida em procedimento fiscalizatório é possível mediante apresentação de garantia, desde que calculada nos termos do art. 7º da IN/SRF nº 228/2002.

2. Verifica-se, então, que o valor a ser depositado não é o que a empresa entende ser devido; é o valor calculado pelo Fisco de acordo com a previsão da referida norma (nos termos do art. 88 da MP nº 2.158-35, de 24/8/2001).

3. Ainda que não cumpridos pela empresa, no caso, os requisitos previstos na referida norma (e, portanto, sequer negada sua aplicabilidade pelo juízo a quo), deve ser assegurado o direito (abstrato) pretendido no agravo.

4. Agravo de instrumento provido em parte: assegurada a liberação da mercadoria mediante oferecimento de garantia pela autora, calculada nos termos do art. 7º da IN/SRF nº 228/2002.

5. Peças liberadas pelo Relator, em 28/4/2008, para publicação do acórdão.” (AG Nº 2007.01.00.046281-4/DF – Relator Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Convocado) – TRF/1ª Região – Sétima Turma – UNÂNIME – e-DJF1 19/5/2008 – pág. 166.)

 

LIBERAÇÃO MEDIANTE GARANTIA – JOSÉ GERALDO REIS

Publicado em por Haroldo Gueiros

 

 

A LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS MEDIANTE CAUÇÃO

Todos os dias nos deparamos com arbitrariedades da Receita Federal do Brasil, que se utilizando de instruções normativas ( IN 206 IN 228) deixam mercadorias retidas por até 180 ( cento e oitenta dias) sob procedimento especial de fiscalização.

 

Neste período, além de ter que pagar armazenagem, demurrage (caso não consiga a desova), multas contratuais e demais despesas, sendo obrigados a responder intimações e juntar documentos solicitados, importadores vêem sofrendo assim danos irreparáveis e tendo prejuízos imensos em razão da retenção de suas mercadorias em referidos procedimentos.

 

Em muitos casos, conforme previsão das próprias Instruções Normativas ( IN 206 IN 228)os importadores fazem pedido administrativo para que nos termos do artigo 7 da IN 228 e 69 da IN 206 possam ter suas mercadorias liberadas mediante caução idônea, e na maioria das vezes, de forma ilegal e arbitrária a Receita Federal nega os pedidos, obrigando os importadores a buscar no judiciário a tutela pretendida.

 

A boa notícia é que a Justiça está se posicionando de forma favorável ao importador e contrária ao fisco, reconhecendo em muitos casos excesso/abuso de poder e falta de motivação dos atos administrativos que indeferem tal pedido.

 

Isto porque, não existe impedimento ao oferecimento de caução para viabilizar a liberação das mercadorias altercadas porque ela é destinada aos cofres da Administração e, comprovada qualquer irregularidade na importação, com a eventual aplicação da pena de perdimento, nenhum prejuízo lhe será causado e, ainda, terá a vantagem de não necessitar realizar leilão delas.

 

Além disso, de outro lado, a liberação de mercadorias mediante caução permiti que o importador continue com suas atividades,evitando seu perecimento e pagamento de despesas com altas taxas de armazenagem e risco de desvalorização dos bens.

Assim, corroborando com os fundamentos acima mencionados, se posiciona nossos tribunais, senão vejamos:

 

“TRIBUTÁRIO, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE MERCADORIA IMPORTADA – CAUÇÃO NO VALOR DA MERCADORIA.

1 – A liberação de mercadoria importada apreendida em procedimento fiscalizatório, em razão de suspeita de subfaturamento, é possível mediante apresentação de garantia (caução no valor da mercadoria – o art. 7º da IN/SRF nº 228, de 21/10/2002).

2 – A teor do art. 169, II, do Decreto-Lei nº 37/1966, a pena cominada para o caso de subfaturamento de preço de mercadoria importada é de multa equivalente a 100% (cem por cento) da diferença; quando não há comprovação irrefutável de que a nota fiscal apresentada pelo importador foi adulterada, é equivocada a retenção dos produtos importados.

3 – Agravo de instrumento provido.

4 – Peças liberadas pelo Relator, em 13/4/2010, para publicação do acórdão.” (AG nº 2009.01.00.045316-1/DF – Relator Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral – TRF/1ª Região – Sétima Turma – UNÂNIME – e-DJF1 03/5/2010 – pág. 175.)

…………………………………………………………………………………………………………

”PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – INDEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO DE MERCADORIA MEDIANTE OFERECIMENTO DE CAUÇÃO NO VALOR DAS MULTAS PREVISTAS NO ART. 33 DA LEI Nº 11.488/2007 – A LIBERAÇÃO DA MERCADORIA É POSSÍVEL COM OFERECIMENTO DE GARANTIA CALCULADA NOS TERMOS DO ART. 7º DA IN/SRF Nº 228/2002.

1. A internação de mercadoria apreendida em procedimento fiscalizatório é possível mediante apresentação de garantia, desde que calculada nos termos do art. 7º da IN/SRF nº 228/2002.

2. Verifica-se, então, que o valor a ser depositado não é o que a empresa entende ser devido; é o valor calculado pelo Fisco de acordo com a previsão da referida norma (nos termos do art. 88 da MP nº 2.158-35, de 24/8/2001).

3. Ainda que não cumpridos pela empresa, no caso, os requisitos previstos na referida norma (e, portanto, sequer negada sua aplicabilidade pelo juízo a quo), deve ser assegurado o direito (abstrato) pretendido no agravo.

4. Agravo de instrumento provido em parte: assegurada a liberação da mercadoria mediante oferecimento de garantia pela autora, calculada nos termos do art. 7º da IN/SRF nº 228/2002.

5. Peças liberadas pelo Relator, em 28/4/2008, para publicação do acórdão.” (AG Nº 2007.01.00.046281-4/DF – Relator Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Convocado) - TRF/1ª Região – Sétima Turma – UNÂNIME – e-DJF1 19/5/2008 – pág. 166.)

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Posto isto, demonstrada a possibilidade de oferecimento de caução para viabilizar a liberação das mercadorias, devem as empresas buscar a tutela jurisdicional para que não tenham prejuízos e para que possam continuar com suas atividades, evitando o perecimento das mercadorias importadas, despesa com altas taxas de armazenagem bem como o risco de desvalorização dos bens importados.

 

JUDICIÁRIO – LIBERAÇÃO MEDIANTE CAUÇÃO – AUGUSTO F.MORAES

Publicado em janeiro 27, 2013 por Haroldo Gueiros

 

Importação paralela de produtos originais, sem consentimento do titular da marca, é proibida

 

A importação paralela de produtos originais, sem consentimento do titular da marca, é proibida, conforme dispõe o artigo 132, inciso III, da Lei 9.279/96. Uma vez consentida, a entrada do produto original no mercado nacional não configura importação paralela ilícita. Esse entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

 

A Turma analisou dois recursos especiais, interpostos por Diageo Brands (titular das marcas de uísque Johnie Walker, White Horse e Black and White) e por Diageo Brasil (distribuidora autorizada no Brasil) contra Gac Importação e Exportação (empresa que adquiria os uísques nos Estados Unidos e os vendia no Brasil). 

 

Em 2004, a titular das marcas e sua autorizada moveram ações contra a Gac, com o objetivo de impedir a importação paralela dos produtos, sua distribuição e comercialização – realizadas há 15 anos –, e, além disso, receber indenização por perdas e danos.

 

Em contrapartida, em 2005, a importadora ajuizou ação com o intuito de impedir o "boicote" à importação dos uísques. Pediu que a titular das marcas fosse obrigada a conceder-lhe o direito de importar os produtos e, ainda, indenização pelo tempo em que não pôde adquiri-los. 

 

Indenização 

 

Os dois processos foram julgados em conjunto pelo magistrado de primeiro grau, que deu razão à Gac e julgou improcedentes as ações da Diageo Brands e da Diageo Brasil. Ambas foram condenadas solidariamente ao pagamento de indenização à importadora pelas perdas e danos decorrentes da recusa em vender. 

 

Após analisar o processo, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) afirmou que, "se a função moderna da marca é distinguir produtos e serviços entre si, a importação paralela de produtos autênticos em nada afeta os direitos do proprietário da marca". Em seu entendimento, somente é vedada a importação de produtos pirateados. 

 

Nos recursos especiais direcionados ao STJ, Diageo Brands e Diageo Brasil alegaram violação do artigo 132, inciso III, da Lei 9.279, segundo o qual, "o titular da marca não poderá impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento". 

 

Consentimento

 

Para o ministro Sidnei Beneti, relator dos recursos, "o titular da marca internacional tem, portanto, em princípio, o direito de exigir seu consentimento para a importação paralela para o mercado nacional, com o ingresso e a exaustão da marca nesse mercado nacional". 

 

Ele verificou no processo alguns fatos relevantes: a Diageo Brasil é a distribuidora exclusiva da Diageo Brands; os produtos importados pela Gac eram originais; efetivamente, houve a recusa ao prosseguimento das vendas; os produtos foram adquiridos durante 15 anos; houve o consentimento tácito pela titular durante esse tempo e, por fim, a recusa da titular em vender os produtos causou prejuízo à importadora, em forma de lucros cessantes. 

 

De acordo com Beneti, o artigo 132, inciso III, da Lei 9.279 é taxativo. O dispositivo respeita os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa, entretanto, exige o consentimento do titular da marca para a legalidade da importação. 

 

"O tribunal de origem julgou contra esse dispositivo legal, ao concluir no sentido da garantia do direito de realizar a importação paralela no Brasil, vedando-a tão somente no caso de importação de produtos falsificados", afirmou. 

 

Para o ministro, a importação que vinha sendo realizada pela Gac não pode ser considerada ilícita, porque não havia oposição das empresas. Entretanto, ele concluiu que, como não havia contrato de distribuição, não seria possível obrigá-las a contratar, restando apenas manter a condenação solidária quanto à indenização à importadora pela cessação da atividade econômica – com a qual consentiram durante 15 anos. 

 

REsp 1249718

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A interposição fraudulenta de terceiros na importação

Preliminarmente cumpre esclarecer que, o Projeto de Lei que redundou na publicação da Lei nº 9.613/98 introduziu em nosso ordenamento jurídico o ilícito de interposição fraudulenta de terceiros. A norma dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos.

Portanto, a definição do delito de interposição fraudulenta no dizer do legislador, corresponde: aquele em que alguém presta-se a intermediar negócio com recursos ou coisas que sabe ser produto de crime antecedente.

A esse delito foi atribuída uma qualificação de crime equivalente à receptação, como se vê do item 23 da mencionada Exposição de Motivos da referida Lei: “23. O projeto, desta forma, mantém sob a égide do artigo 180 do Código Penal, que define o crime de receptação, as condutas que tenham por objeto a aquisição, o recebimento ou a ocultação, em proveito próprio ou alheio, de “coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”. Fica, portanto, sob o comando desse dispositivo a grande variedade de ilícitos parasitários de crimes contra o patrimônio”.

Do exposto, podemos dizer que a “interposição fraudulenta” corresponderia a um crime conexo, posto que praticado na intenção de ocultar coisa ou dinheiro que tem como origem um dos crimes elencados no artigo 1º da Lei nº 9.613/98, portanto pressupõe um crime antecedente, como por exemplo: tráfico de drogas; terrorismo; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a administração pública (corrupção); contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa.

O artigo 1º, § 1º, inciso III da Lei nº 9.613/98 dispõe que aquele que importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos reais pode estar praticando, nos termos dessa lei, uma “interposição fraudulenta”. Este é o teor do referido artigo: ” § 1º – Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo: I – os converte em ativos lícitos; II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.”

Assim, a condição para aplicação do artigo acima é que a interposta pessoa saiba que os recursos financeiros empregados nas operações tem origem em um dos crimes antecedentes tipificados no artigo 1º da referida Lei. Vale aduzir que nessa conduta o dolo é essencial, portanto, a intenção criminal – há de restar comprovada.

Há de reconhecer-se que essa tipologia infracional – “interposição fraudulenta” – tipificada no inciso III, parágrafo primeiro, do art.1º da Lei acima exige um NEXO DE CAUSALIDADE entre a interposta pessoa e o crime antecedente. Sem essa vinculação, que há de ser dolosa, não poderá se configurar crime algum.

Como a referida Lei nº 9.613/98 é um instrumento com poder de coação, procurou repudiar, os possíveis desvios de conduta. Por isso os autores da Exposição de Motivos nº 692/MJ, previnem os administrados contra a generalização, nos seguintes termos: 24.

Sem esse critério de interpretação (referindo-se à equivalência entre a receptação e a interposição fraudulenta, vide item 23 acima transcrito), o projeto estaria massificando a criminalização para abranger uma infinidade de crimes como antecedentes do tipo de lavagem ou de ocultação. Assim, o autor do furto de pequeno valor estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou o convertesse em outro bem, como a compra de um relógio, por exemplo.”

Neste contexto, desnecessário lembrar que face ao princípio da tipificação cerrada a que se subsume o direito penal, inclusive penal-tributário e penal-aduaneiro, não poderia nenhuma autoridade fiscal afastar-se do rígido trilho legal traçado pelo próprio legislador.

Embora expressa essa declaração de princípios, o legislador não conseguiu seu intento, pelo menos a julgar pela série de Autos de Infração lavrados pela RFB- Receita Federal do Brasil, sob o pressuposto da prática de interposição fraudulenta, nela incluindo quaisquer suspeitas sobre “subfaturamento” e outras supostas infrações.

Atualmente referida infração está disposta no artigo 23 do Decreto-Lei nº 1.455/76, introduzido pelo artigo 59 da Lei nº 10.637/2002 que alterou referido artigo. Dispõe o artigo 23:

“Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

I – importadas, ao desamparo de guia de importação ou documento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver vedada ou suspensa na forma da legislação específica em vigor;

II – importadas e que forem consideradas abandonadas pelo decurso do prazo de permanência em recintos alfandegados nas seguintes condições:

a) 90 (noventa) dias após a descarga, sem que tenha sido iniciado o seu despacho; ou

b) 60 (sessenta) dias da data da interrupção do despacho por ação ou omissão do importador ou seu representante; ou

c) 60 (sessenta) dias da data da notificação a que se refere o artigo 56 do Decreto- Lei número 37, de 18 de novembro de 1966, nos casos previstos no artigo 55 do mesmo Decreto-lei; ou

d) 45 (quarenta e cinco) dias após esgotar-se o prazo fixado para permanência em entreposto aduaneiro ou recinto alfandegado situado na zona secundária. III – trazidas do exterior como bagagem, acompanhada ou desacompanhada e que permanecerem nos recintos alfandegados por prazo superior a 45 (quarenta e cinco) dias, sem que o passageiro inicie a promoção, do seu desembaraço;

IV – enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966.

V – estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.”

Com efeito, o Regulamento Aduaneiro, Decreto nº 6.759/2009, artigo 801 e as Instruções Normativas SRF nº 11.069/2011 e nº 228/2002 regulamentam referida infração. No entanto, acabam enquadrando, quaisquer operações realizadas através de intermediários, como “Trading Companies” numa sistemática burocrática correndo o risco de serem alvo de ações fiscais, bastando um equívoco documental, um erro procedimental, para que se “retenha” a mercadoria, vislumbrando o crime de interposição fraudulenta.

Assim, começa-se o processo administrativo pela retenção da mercadoria que se mantém até o fim do procedimento fiscal, que poderá redundar na pena de perdimento para o importador e multa de 10% sobre o valor da operação supostamente acobertada.

Com isso infelizmente massifica-se, generaliza-se e criminalizam-se condutas que, sob qualquer ótica, não configuram crime de interposição fraudulenta, nos termos da Lei de regência, conforme acima.

Trata-se, de um desvio de finalidade de norma, claramente estampado no parágrafo 1º, do artigo 1º, da IN SRF nº 228/02, que acrescentou à finalidade originária (combate ao crime de lavagem) um adendo para incluir também “os responsáveis por infração à legislação em vigor”.

Dispõe referida norma:

Art. 1º As empresas que revelarem indícios de incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior e a capacidade econômica e financeira evidenciada ficarão sujeitas a procedimento especial de fiscalização, nos termos desta Instrução Normativa.

§ 1º O procedimento especial a que se refere o caput visa a identificar e coibir a ação fraudulenta de interpostas pessoas em operações de comércio exterior, como meio de dificultar a verificação da origem dos recursos aplicados, ou dos responsáveis por infração à legislação em vigor.

Portanto, a INSRF nº 228 estendeu a tipificação do crime de interposição fraudulenta originária, descrito na Lei – do tipo cerrado – para uma tipificação aberta de tal sorte que, a partir dessa normativa, toda e qualquer infração à legislação em vigor – vale dizer, tudo o que nela se contém – pode vir a constituir-se, em crime passível de justificar a pena de perdimento de bens.

Esse poder de confiscar bens do administrado/contribuinte – presta-se, muitas vezes a distorcer o conceito do que seja uma “importação fraudulenta”, pois acaba se incluindo no escopo da norma, ilícitos puramente fiscais suscetíveis de serem equacionados e combatidos pela via da própria legislação ordinária.

Assim, por exemplo, o subfaturamento ou valoração da base de cálculo do imposto de importação, a inexatidão documental e outras tantas figuras que caracterizam infrações aduaneiras simplesmente, acabam sendo interpretado como crime de interposição fraudulenta, o que significa uma notória generalização e conseqüente criminalização dessas situações. Exatamente o que legislador, a julgar pela Exposição de Motivos nº 692/96 pretendia evitar.

Embora isso, ao Executivo se atribuiu a função judicante (rito do perdimento instrumentalizado pelo Decreto-Lei nº 1.455/76) e a competência condenatória – imposição da sanção de perdimento, por força da Medida Provisória nº 66 (artigos 59 a 60) que redundou na edição da Lei nº 10.637/04, que mandou acrescer a interposição fraudulenta no corpo do artigo 23 do Decreto – Lei nº 1.455/76. É possível, que o Poder Legislativo não tenha se atentado para esse dispositivo legal com o ditame da Lei nº 9.613/98, estabelecendo assim um conflito de competências para julgar e apreender bens, tendo em vista que o artigo 2, inciso III da referida norma que dispõe tal atribuição à Justiça Federal.

No entanto, admitindo-se a legalidade da normatização da pena de perdimento aplicada é de se ver que sua tipificação restringe-se a penalizar com o perdimento a interposição fraudulenta da qual resulte o emprego de recursos obtidos ilicitamente por efeitos dos crimes antecedentes nos termos dispostos no artigo 1º, da Lei nº 6.913/98, não autorizando a aplicação dessa sanção a situações que possam configurar “outras infrações à legislação em vigor”.

De acordo com norma transcrita acima, confirma-se, que a interposição fraudulenta, é uma figura delituosa, que só se define e tipifica relativamente a uma intermediação comercial que vise ocultar, em artifício doloso, o real comprador ou real vendedor, ou ainda o responsável pela operação, sempre que os recursos empregados tenham origem ilícita oriunda de um crime antecedente.

Descabe, pois, nos termos de direito, aplicar a pena de perdimento, ou reter mercadorias a pretexto de que quaisquer outras hipotéticas infrações à legislação aduaneira pudessem configurar a referida interposição fraudulenta. Assim, uma suspeita de subfaturamento, por exemplo, não se sujeitaria a esse rito procedimental extremo, devendo solucionar-se pelo Acordo de Valoração Aduaneira. Em síntese, pode-se dizer que outras infrações, se ocorridas, terão que ser solucionadas pela via dos procedimentos já previstos em lei.

Vale transcrever o artigo 33 da Lei nº 11.488/2007, “verbis”:

” Art.33. A pessoa jurídica que ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas no acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários fica sujeita a multa de 10% (dez por cento) do valor da operação acobertada, não podendo ser inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Parágrafo único. À hipótese prevista no caput deste artigo não se aplica o disposto no art. 81 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.”

Do artigo acima transcrito, conclui-se que há duas penalidades prevista na norma, a pena de perdimento prevista no Decreto – Lei nº 1.455 e a multa de 10%, prevista na Lei nº 11.488/2007.

Portanto, nos casos expressamente previstos no artigo 33 acima transcrito, qual seja, ocultação de terceiros para realização de operações de comércio exterior, imperioso é a aplicação da referida norma com penalidade ali prevista que é de multa de 10% sobre o valor da operação e não de perdimento de mercadorias.

Neste sentido é o Acórdão do STJ – Recurso Especial 1.144.751 da Fazenda Nacional – DF (2009/0113764-9) – DJE 15/03/2011: EMENTA PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO DE INAPTIDÃO DO CADASTRO DO CNPJ DE EMPRESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DE RECURSOS UTILIZADOS EM OPERAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA (ART. 23, § 2º, DO DL N. 1.455/76 C/C 81, § 2º, DA LEI N. 9.430/96) X CESSÃO DE NOME PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÃO DE COMÉRCIO DE TERCEIROS (ART.33 DA LEI N. 11.488/07). VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. AFERIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE NA HIPÓTESE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DESTA CORTE. 1. O presente recurso especial originou-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão do juiz a quo que indeferiu o pedido de tutela antecipada formulado pela empresa em autos de ação ordinária no sentido de determinar o retorno do seu CNPJ à condição de ATIVO. 2. Cumpre afastar a alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC, visto que o Tribunal de origem se manifestou de forma clara e fundamentada sobre a questão posta à sua apreciação, ainda que a conclusão adotada tenha sido contrária à pretensão da ora recorrente. A Corte a quo consignou expressamente que a defesa formulada administrativamente pela empresa foi analisada pelo Fisco, porém, as alegações não foram suficientes para impossibilitar a procedência da representação fiscal e a conseqüente suspensão da inscrição do CNPJ da empresa. 3. O Tribunal de origem concluiu que a ausência de comprovação da origem dos recursos utilizados em operação de comércio exterior – que foi tipificada pelo Fisco como sendo infração de interposição fraudulenta, na forma do art. 23, § 2º, da DL n. 1.455/76 – se equipara à hipótese prevista no art. 33 da Lei n. 11.488/07 que trata da cessão do nome da empresa para a realização de operação de comércio de terceiros com vistas ao acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários. Segundo o parágrafo único do referido dispositivo, tal infração não é daquelas que permitem a declaração de inaptidão do cadastro no CNPJ prevista no art. 81 da Lei n. 9.430/96. 4. A decisão da Corte a quo apenas deferiu a antecipação de tutela pleiteada, haja vista a verossimilhança das alegações da agravante e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, eis que, conforme consta do relatório do decisum, havia 432,40 toneladas de arroz para exportação paralisadas no Porto de Rio Grande em razão da inaptidão do CNPJ da empresa, impossibilitando o adimplemento de obrigações contratuais assumidas pela ela e exposto o produto ao risco de deteriorar-se. À vista de tal contexto, não é possível a esta Corte infirmar a conclusão adotada no acórdão recorrido, seja porque o conceito de “interposição fraudulenta” trazido pela recorrente nas razões recursais é muito similar ao disposto no art. 33 da Lei n. 11.488/07, o que recomenda o deferimento da tutela de urgência pleiteada pela empresa a fim de reativar seu CNPJ até a decisão de mérito na ação ordinária, seja porque o desenvolvimento dos requisitos do art. 273 do CPC, para fins de concessão de tutela antecipada, é providência que encontra óbice no teor da Súmula n. 7 desta Corte. 5. Recurso especial não provido.

Diante de todo o exposto, entendemos que a pena de perdimento aplicada aos casos de interposição fraudulenta só exsurge no mundo jurídico quando praticada ao fito de ocultar dinheiro ilícito, fruto de crime antecedente, nos termos do artigo 1 da Lei nº 9.613/1998. Nesta hipótese ocorrendo o processo administrativo, rito previsto na INSRF nº 228 para inaptidão do CNPJ. Sua invocação, nos demais casos, só se justifica pelo arbítrio.

Por: Angela Sartori (angelasartori@uol.com.br), advogada e consultora de empresas na área tributária e de comércio exterior, Conselheira do CARF – 3ª Seção, Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB, especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e extensão em Direito Internacional pela FGV/GVLaw, co-autora do livro Temais Atuais do Direito Aduaneiro Brasileiro, ed. IOB, 2012.

 

O princípio da não - cumulatividade e o IPI nas operações de importação por pessoa física

Preliminarmente cumpre ressaltar que o IPI é um imposto não-cumulativo, nos termos do artigo 153, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, que assim dispõe:

“ art. 153.(…)

§ 3º – O imposto previsto no inciso IV: …..

II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;”

O Código Tributário Nacional trata do imposto em seus artigos 46 a 51. Por sua vez, a Lei que rege sua cobrança é a de nº. 4.502/1964, regulamentada pelo Decreto nº. 4.544/2002.

Característica essencial do IPI, nos termos do artigo acima transcrito é que está adstrito ao princípio da não-cumulatividade que foi criado para impedir que o ônus do tributo se acumule em cada operação. Por exemplo, se o IPI incidiu sobre o insumo não deve reproduzir esse ônus no produto final. Por isto existe o crédito, com o qual se impede, a acumulação das duas incidências do imposto.

Neste contexto, o importador — pessoa física — não promove qualquer atividade que lhe proporcione a utilização do crédito acumulado do tributo nas operações de importação, já que o bem é destinado ao seu próprio uso o que nos faz concluir que pessoa física que faz importação de produto para uso próprio, de carros, aviões, helicópteros, por exemplo, não tem de pagar IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, por estar ferindo o princípio da não-cumulatividade.

Ademais, está em vigor a Súmula 660 do Supremo Tribunal Federal STF que continuou mantendo o mesmo entendimento reafirmando: “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto”. O mesmo raciocínio aplica-se ao IPI.

A matéria veio a ser examinada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que decidiu pelo descabimento da exigência do IPI incidente sobre bem importado do exterior, por pessoa física, em face do princípio da não-cumulatividade do referido tributo estando contudo a matéria em sede de repercussão geral. Nesse diapasão, decidiu, por unanimidade, a Colenda Primeira Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 937.629, de que foi Relator o Ministro JOSÉ DELGADO, publicado no DJU de 4.10.2007, pá. 203, verbis:

“TRIBUTO, IPI, DESEMBARAÇO ADUANEIRO. VEICULO AUTOMOTOR, PESSOA FIDICA. NÃO-INCIDENCIA. ENCERRAMENTO DA MATÉRIA PELO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. Recurso especial interposto contra acórdão que determinou o recolhimento do IPI incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do recorrente.

2. Entendimento deste relator, com base na Súmula nº 198/STJ, de que “na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS”.

3. No entanto, o colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida pelo RE nº 203075/DF, Rel. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, dando nova interpretação no art. 155, §2º, IX, ‘a’, da CF/88, decidiu, por maioria de votos, que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica, as operações de importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. Com base nesse entendimento, o STF manteve decisão do Tribunal de origem que isentara o impetrante do pagamento de ICMS de veiculo importado para uso próprio. Os Srs. Ministros Ilmar Galvão, Relator, e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao entenderem que o ICMS deve incidir inclusive nas operações realizadas por particular.

4. No que se refere especificamente ao IPI, da mesma forma o Pretório Excelso também já se pronunciou a respeito: “Veículo Importado por pessoa física que não é comerciante nem empresário, destinado ao uso próprio: não incidência do IPI: aplicabilidade do principio da não-cumulatividade: CF. art. 153, §3º, II. Procedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2011: RE 203.075/DF, Min. Mauricio Corrêa, Plenário, ‘DJ’ de 29.10.1999; RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, ‘DJ’ de 20.11.1998, RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª turma, ‘DJ’ de 09.11.2001” (AgReg no RE nº 255682/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 10/02/2006).

5. Diante desta interpretação do ICMS e do IPI à luz constitucional, proferida em sede derradeira pela mais alta corte de justiça do pais, posta com o propósito de definir a incidência do tributo na importação de bem por pessoa física para o uso próprio, torna-se incongruente e incompativel com o sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em sentido contrário.

6. Recurso provido para afastar a exigência do IPI.”

Portanto, não podemos deixar de levar em consideração que o não reconhecimento do princípio da não-cumulatividade na importação por pessoa física implica em excluir o IPI do campo da aplicação da norma que a instituiu, caracterizando, com isso, a negativa de vigência do art. 153, parágrafo 3º, inciso II, acima transcrito.

O importador, pessoa física somente poderá discutir a aplicação do princípio da não-cumulatividade na importação de mercadorias no judiciário, tendo em vista que a RFB entende devido o pagamento do IPI em importação por pessoa física ou jurídica.

Por: Ângela Sartori (angelasartori@uol.com.br), advogada, conselheira do CARF- 3ª Seção, Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB, especialista em Direito Tributário pela Puc/SP e extensão em Direito Internacional pela FGV/GVlaw, co-autora do livro Temas Atuais do Direito Aduaneiro Brasileiro, Ed. IOB, 2012.

 

 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Navio de Pernambuco vira holandês e salva exportações

Só a embarcação representa quase um terço das exportações de Pernambuco no ano passado.

A primeira embarcação fabricada em Pernambuco na retomada da indústria naval do País foi registrada no exterior, para reduzir seu custo trabalhista e fiscal na operação. A curiosa prática fez o navio sozinho distorcer a balança comercial do Estado e transformar em alta de 10% o que seria uma grande queda nas exportações pernambucanas em 2012, uma retração de 31%. Só a embarcação representa quase um terço das exportações de Pernambuco no ano passado.

O comércio exterior sofreu muito em 2012. Por causa da crise internacional, especialmente na Europa, a demanda estrangeira por produtos brasileiros caiu muito. Para se ter uma ideia da turbulência no mercado global, das 10 empresas que lideraram o ranking de exportações em Pernambuco, ano passado, oito tiveram fortes quedas, com reduções de até 60%.

Os produtos atingidos foram diversos, como o tradicional açúcar produzido na Zona da Mata e as uvas e mangas do Vale do São Francisco. Muito antes do fechamento dos números de 2012, porém, o João Cândido já fazia a diferença na balança comercial do Estado.

Apesar da entrega do navio ter ocorrido no dia 27 de maio, em fevereiro do ano passado a curiosa exportação já era feita pelo Estaleiro Atlântico Sul (EAS), de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O navio faz parte da frota da Transpetro, subsidiária de logística da Petrobras, e recebeu o nome João Cândido em homenagem ao líder da Revolta da Chibata, em 1910, uma insurreição contra os castigos físicos aplicados a bordo de navios da Marinha. Apesar do nome, porém, assim que a embarcação João Cândido nasceu, virou holandesa.

A Petrobras não costuma comentar a operação, bastante conhecida por quem atua no setor naval. A estatal símbolo do orgulho brasileiro é dona de uma subsidiária na Holanda que faz a triangulação para o menor pagamento de impostos.

Consultores da área contam que o custo de um navio cai até pela metade com a exportação, porque se eles fossem registrados no Brasil a legislação exigiria maior número de tripulantes e o pagamento de um volume de impostos bem maior. O método utilizado para fazer a exportação é o Repetro, um regime aduaneiro especial que beneficia máquinas e equipamentos usados na cadeia de petróleo e gás.

Sem o navio na balança comercial, a diferença entre o total de exportações e de importações, o chamado saldo da balança comercial, seria ainda maior. No ano passado, o resultado foi um déficit de US$ 5,2 bilhões, enquanto o de 2011 havia sido de US$ 4,3 bilhões.

O motivo dos grandes déficits do Estado não está relacionado apenas às exportações. Pernambuco se consolidou como um grande importador, principalmente por causa do volume de cargas que chegam ao Brasil através do Porto de Suape. Para se ter uma ideia do rápido crescimento das importações pernambucanas, entre 2010 e 2011 o total dobrou, de US$ 2,1 bilhões para US$ 4,3 bilhões.

FONTE: Jornal do Commercio [Giovanni Sandes]

 

 

ICMS sobre bens sem similar nacional deve ser de 4%

A Resolução 13/2012 do Senado Federal estabeleceu nova alíquota do ICMS, de 4%, aplicável à operação interestadual de bens e mercadorias importados — incidente, em princípio, sobre a operação tributável que decorra da primeira saída da mercadoria do estabelecimento importador, no Estado onde ocorreu o desembaraço aduaneiro, se destinada a outro estado da Federação.

O Senado Federal já fixara, no passado, as alíquotas do ICMS incidente em operações interestaduais (conforme Resolução 22/89), exercendo a competência prevista no artigo 155, parágrafo 2º, IV, da Constituição. A chamada “guerra fiscal” travada entre os estados vinha minando, todavia, a eficácia arrecadatória que se pretendia obter com as alíquotas interestaduais em vigor, particularmente nos casos em que a importação era concluída por contribuinte em determinado Estado apenas para o aproveitamento de benefício fiscal a ele concedido (não raro à margem das regras previstas na Lei Complementar 24/75).

Na singela revenda da mercadoria para contribuinte em outro estado o imposto era calculado pela tradicional alíquota interestadual, e mesmo não sendo integralmente recolhido no estado de origem, era ainda assim aproveitado como crédito pelo contribuinte no estado de destino.

É necessário esclarecer que, a exemplo de muitas outras modificações recentes na legislação tributária brasileira, a nova regra não é um benefício fiscal, como pode parecer à primeira vista, já que o propósito não é assegurar uma alíquota de ICMS menor na operação em tela, mas sim amenizar o problema gerado pela “guerra fiscal”. Vale dizer, o objetivo neste caso é evitar a perda de arrecadação por parte do estado de destino da mercadoria importada — circunstância que deve afastar desde logo uma possível interpretação mais restritiva da nova regra (art. 111 do CTN).

Isso é particularmente importante no exame dos parágrafos 1º e 4º do artigo 1º da Resolução 13/2012, que numa leitura apressada podem conduzir a uma indevida restrição da aplicação da nova alíquota interestadual, como se verá.

De fato, a regra (art. 1º, “caput”, da Resolução) é a de que as mercadorias importadas, quando submetidas a operações interestaduais, passam a ficar sujeitas à alíquota de 4% de ICMS — e não mais às alíquotas interestaduais previstas anteriormente.

Nesse sentido, o parágrafo 1º do artigo 1º da Resolução apenas esclarece que a operação interestadual submetida à nova alíquota é aquela que não tenha sido precedida de industrialização no estado por onde tenha sido importada (inciso I), porque o propósito é atingir somente a atividade que não tenha gerado suficiente valor agregado no estado de origem — o que se revela, inclusive, quando a norma prevê seu alcance até mesmo em face da mercadoria que tenha sido submetida a uma industrialização, desde que o conteúdo de importação seja superior a 40% (inciso II).

Por seu turno, o parágrafo 4º do artigo 1º exclui certos bens e produtos ali mencionados da regra dos parágrafos 1º e 2º, somente. Em outras palavras, quando se tratar de bens sem similar nacional (definidos pela Camex) ou aqueles atinentes aos processos produtivos básicos (segundo as normas referidas naquele comando), estão todos submetidos à nova alíquota de 4% de ICMS na operação interestadual seguinte à respectiva importação, e estão todos dispensados das regras atinentes à industrialização previstas no parágrafo 1º.

Tanto é assim que o parágrafo 4º do artigo 1º da Resolução 13/2012 excepciona a aplicação dos parágrafos 1º e 2º, mantendo (como não poderia deixar de ser) a aplicação do “caput” do artigo 1º aos bens ali mencionados.

Não parece haver razões de ordem lógica para que os bens sem similar nacional, por exemplo, fiquem desde logo excluídos, só por esse motivo, da aplicação da nova alíquota interestadual de 4% de ICMS. Isso seria contrário ao “caput” do artigo 1º da Resolução 13/2012, além de conduzir a uma discriminação desprovida de fundamento lógico; implicaria ainda uma delegação de competência do Senado Federal à Câmara de Comércio Exterior (Camex) — que, na prática, ao definir o conceito de bens sem similar nacional, acabaria por restringir ou ampliar, ao arrepio da Constituição, o campo de aplicação da alíquota interestadual de ICMS.

A lógica inerente à nova sistemática (que visa minimizar a guerra fiscal em face de produtos importados) impõe sua aplicação ao maior número possível de situações. Nesse sentido, a criação de regra específica atinente ao caso da industrialização e sua exceção (para os produtos sem similar nacional) visa apenas evitar que a singela revenda de produto importado seja submetida ao mesmo tratamento aplicável ao produto manufaturado com insumos importados no estado de origem.

Rogério Pires da Silva é advogado em São Paulo, sócio do escritório Boccuzzi Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico

 

 

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Intervenientes e Anuentes no Comércio Exterior

Hoje muito se fala em INTERVENIENTE no comércio exterior. Questões sobre ele foram suscitadas nas provas para fiscal da Receita Federal e para Ajudante de Despachante aduaneiro. Quem são eles? Importadores e exportadores? Depositários? Transportadores internacionais? Órgãos governamentais, como a ANVISA? Como o BACEN?

A Receita Federal, em junho de 2.012, editou a Instrução Normativa RFB nº 1.273, de 6 de junho de 2012

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL , no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 273 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF n º 587, de 21 de dezembro de 2010 , e tendo em vista o disposto nos arts. 808 a 814 do Decreto n º 6.759, de 5 de fevereiro de 2009 , resolve:

Art. 1 º O controle pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) dos intervenientes do comércio exterior, inclusive dos despachantes aduaneiros e dos ajudantes de despachante aduaneiro, e da representação das pessoas físicas e jurídicas, para fins de atuação nas operações de comércio exterior, será exercido por meio do Cadastro Aduaneiro Informatizado de Intervenientes de Comércio Exterior, Sistema CAD-ADUANA.

Num primeiro momento entendi que o Radar estaria com os dias contados – a introdução do CAD-ADUANA tem prazo para entrar em operação – pois esta IN cria nova forma de cadastrar os intervenientes (portanto os importadores e exportadores), os despachantes e seus ajudantes, bem como as representações de pessoas físicas e jurídicas para operarem junto as autoridades aduaneiras.

Esta IN não é auto aplicável. Depende de ato da COANA:

Art. 3 º Os intervenientes e suas atividades no comércio exterior serão cadastrados no sistema nos prazos, termos e condições definidos em ato normativo da Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana).

§ 1 º O cadastramento dos intervenientes condiciona-se a autorização de outras agências ou órgãos de controle, quando previsto em legislação específica.

§ 2 º Os intervenientes estrangeiros somente poderão ser cadastrados no sistema por intermédio da indicação de sua representação por pessoa física ou jurídica nacional.

§ 3 º O cadastramento de pessoa física ou jurídica que ocorra na qualidade de representação de estrangeiro implica a identificação do respectivo representado.

Por ela colhemos mais um dado: temos intervenientes nacionais e estrangeiros. Enquanto a COANA não editada o ato a que está obrigada, vale a pena meditarmos sobre o que devemos entender por intervenientes no comércio exterior.

Antes de continuarmos nesta pesquisa, vamos introduzir um complicador que, se resolvido, ajuda a entender o que seja INTERVENIENTE. É o ANUENTE.

O Anuente

A prova técnica para Ajudante de Despachante apresenta a questão abaixo:

67- São órgãos anuentes, na importação de mercadorias, entre outros,exceto:

a) Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), do Ministério da Saúde (MS).

b) Banco Central do Brasil (BACEN).

c) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

d) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

e) Exército Brasileiro do Ministério da Defesa (MD).

Dos arrolado, apenas o BACEN não é anuente. Meditemos sobre a ANVISA. Se ela éanuente também é Interveniente, pois está ligada, interfere no comércio exterior. Isto porque a IN RFB 1.288/12 no parágrafo único ao artigo primeiro enumera o que entende por interveniente:

Parágrafo único. Considera-se interveniente do comércio exterior, o importador, o exportador, o beneficiário de regime aduaneiro ou de procedimento simplificado, o despachante aduaneiro e seus ajudantes, o transportador, o agente de carga, o operador de transporte multimodal (OTM), o operador portuário, o depositário, o administrador de recinto alfandegado, o perito, o assistente técnico, ou qualquer outra pessoa que tenha relação, direta ou indireta, com a operação de comércio exterior.

Deflui desta questão que a TODOS (pessoa física ou jurídica ou mesmo órgãos governamentais) QUE TENHAM RELAÇÃO DIRETA OU INDIRETA COM A OPERAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR, são intervenientes.

Portanto, em nossa área campeia também a expressão ANUENTE DO COMÉRCIO EXTERIOR, que guarda relação com o INTERVENIENTE. O Dicionário Aurélio nos ensina que ANUIR é

“Dar consentimento, aprovação; estar de acordo; condescender, assentir, consentir: “Os holandeses, não menos cavilosos da sua parte, anuíram de boa mente à mesma cláusula” (João Francisco Lisboa, Obras, IV, p. 39); “Lélio escutava, anuindo com a cabeça” (João Guimarães Rosa, Corpo de Baile, I, p. 267). [Pres. ind.: anuo, anuis, anui,anuímos, etc.; pres. subj.: anua, anuas, etc. Cf. ânuo, anuí e ânua.]

A DECEX, em seu site, em demonstrativo de 2.006, entende serem órgãos anuentes os seguintes:

ANCINE – ANEEL – ANP – ANVISA – CNEN – DECEX – COTAC – DFP – DPF – ECT – IBAMA – IBAM – INMETRO – MAPA – MCT

A conclusão a que chegamos é a de que INTERVENIENTES NO COMÉRCIO EXTERIOR, genericamente falando, são todos aqueles que direta ou indiretamente tem relação com esse comércio, ao passo que ANUENTES são alguns órgãos governamentais que têm a função legal de anuir, concordar ou discordar com a entrada ou saída de bens, veículos ou pessoas do país.

Em suma, os ANUENTES são também INTERVENIENTES, porém a recíproca não é verdadeira, pois nem todos os INTERVENIENTES são ANUENTES.

É uma minúcia, filigrana, que, se não tem valor prático no dia a dia do comércio exterior, vale a pena ser meditada.

Começamos o artigo com a IN que introduz na legislação aduaneira o CAD-ADUANA, que disciplina o cadastramento dos INTERVENIENTES. Vale a penar terminá-lo com uma pergunta: como vai o CAD-ADUANA?

Fonte: Comexblog