terça-feira, 26 de novembro de 2013

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO AGENTE MARÍTIMO

 

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO AGENTE MARÍTIMO. ART. 2º, INCISO VII, DO DECRETO Nº 19.473/30. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 211/STJ. DIREITO COMERCIAL. MANDATO MERCANTIL. AGENTE MARÍTIMO COMO MANDATÁRIO DO ARMADOR (MANDANTE). 

ART. 140 DO CÓDIGO COMERCIAL. RESPONSABILIDADE DO MANDATÁRIO PERANTE TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. DESFIGURAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO MANDATO MERCANTIL. AFASTADA A RESPONSABILIDADE DO AGENTE MARÍTIMO PERANTE TERCEIROS. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. .

 

1. A matéria versada no art. 2º, inciso VII, do Decreto nº 19.473/30, apontado como violado no recurso especial, não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, e embora opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão porventura existente, não foi indicada a contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual, ausente o requisito do prequestionamento, incide o disposto na Súmula nº 211 do STJ.

 

2. O agente marítimo atua como mandatário mercantil do armador e tem confiada a ele a função de armador, recebendo poderes para, em nome daquele, praticar atos e administrar seus interesses de forma onerosa (art. 653 do Código Civil). Assim, a natureza jurídica da relação entre o agente marítimo perante o armador é a de mandato mercantil.

 

3. O mandatário não tem responsabilidade pelos danos causados a terceiros, pois não atua em seu próprio nome, mas em nome e por conta do mandante.

 

4. O agente marítimo, como mandatário mercantil do armador (mandante), não pode ser responsabilizado pelos danos causados a terceiros por atos realizados a mando daquele, quando nos limites do mandato. Precedentes do STJ.

 

5. O Tribunal de origem, para decidir pela responsabilidade solidária da agente marítima e afastar a natureza de mandato mercantil do caso em tela, o fez com base nos elementos fático-probatórios presentes nos autos. Assim, a reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ.

 

6. Recurso especial não provido.

 

(REsp 246.107/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 07/03/2012)

 

 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

VALORAÇÃO ADUANEIRA E SUA APLICAÇÃO NA IMPORTAÇÃO DE SOFTWARE

Valoração aduaneira é o conjunto de princípios e critérios técnico-legais que tem a finalidade de definir o valor aduaneiro[1]. Este, por sua vez, é o valor considerado para fins de tributação no comércio internacional. As normas que regem a apuração do valor aduaneiro estão dispostas no Acordo sobre Implementação do Artigo VII do Gatt, comumente chamado de Acordo de Valoração Aduaneira (AVA-Gatt), que foi internalizado pelo Decreto nº 1.355/1994. Esse Acordo contém a forma como deve ser determinado o valor aduaneiro das mercadorias nas operações de importação, sendo que, mediante aplicação sucessiva e sequencial, do primeiro ao último, devem ser considerados os seis métodos a seguir expostos:

O primeiro método é o valor real, que é o chamado valor de transação e corresponde ao valor pago ou a se pagar pelas mercadorias, acrescido do custo de carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o desembarque. Esse é o método comumente utilizado e pode ser questionado apenas quando a documentação apresentada for carente de credibilidade ou omissa. Além dos documentos necessários para a importação, podem ser apresentados demais documentos para corroborar a valoração por esse método. Caso não consiga se provar a legitimidade por esse método, passa-se sequencialmente aos demais.

O segundo método refere-se ao valor de outras transações com mercadorias idênticas, realizadas entre os mesmos países e na mesma época. Caso seja impossível a averiguação com mercadorias idênticas, passa-se ao terceiro método, que é o valor de outras transações com mercadorias similares, nas mesmas condições do segundo método. O quarto método trata-se do valor de revenda, no mercado interno do país importador, de mercadorias idênticas ou similares. Apesar de ser obrigatória a ordem sequencial dos métodos, há uma exceção no ordenamento brasileiro no que se refere ao quinto e sexto métodos, que podem ser adotados alternativamente, sendo que aquele se refere ao custo aproximado de produção da mercadoria, somado às despesas comerciais e lucro, e este, o sexto método, se refere ao arbitramento puro.

O Comitê de Valoração Aduaneira é o órgão da Organização Mundial de Comércio (OMC) que emite decisões sobre assuntos relacionados com a administração do sistema de valoração aduaneira no que se refere ao Acordo, e as decisões por ele emitidas vinculam seus membros.

A vinculação das decisões proferidas pelo Comitê de Valoração Aduaneira é tema que merece especial destaque, já que, apesar da existência de expressa previsão legal, na prática, a Receita Federal do Brasil não aplica as orientações interpretativas na declaração do valor aduaneiro, quando há divergência entre o entendimento do contribuinte e o da fiscalização quanto ao valor declarado. Não é raro verificar, nesses casos, o arbitramento de valores sem observância do devido processo de valoração aduaneira, das orientações do Comitê Técnico e nem mesmo respeito à aplicação dos métodos de valoração.

Vale lembrar que, apesar de o Decreto nº 6.759/2009, Regulamento Aduaneiro, prever em seu artigo 86 que "a base de cálculo dos tributos será determinada mediante arbitramento nas hipóteses de fraude, sonegação, conluio, quando não for possível a apuração do preço efetivamente praticado, ou quando for descumprida obrigação referida no caput do artigo 18", oAcordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt) dispõe, no artigo 7º, que, quando o valor aduaneiro não puder ser determinado com base em um dos seis métodos, será determinado por critérios razoáveis compatíveis com os princípios e as disposições gerais do Acordo e não será determinado por valores arbitrários. O Acordo de Valoração Aduaneira é acordo internacional, firmado pelo Brasil no âmbito do Gatt e integrado ao ordenamento pátrio por meio de Decreto Legislativo, com força de Lei Complementar.

Ou seja, deve, obrigatoriamente, a autoridade aduaneira obedecer à ordem sequencial dos métodos de valoração para, ante a impossibilidade de utilização de qualquer um dos métodos, determinar o valor aduaneiro por critérios razoáveis e compatíveis com os princípios e disposições gerais do Acordo.

O artigo 14 do AVA dispõe que as informações e orientações expedidas pelo Comitê terão poder normativo para todos os membros, vinculando-os à sua aplicação. Para tanto, foi publicada a Instrução Normativa SRF nº 318/2003, que divulga atos emanados do Comitê de Valoração Aduaneira (OMC), da IV Conferência Ministerial da OMC e do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira (OMA).

Integra a Instrução Normativa SRF nº 318/2003 decisão referente a tema controverso tanto quanto à sua valoração aduaneira quanto à tributação, que é a operação de importação de software. Em 21 de maio de 1995, foi aprovada a decisão 4.1. pelo Comitê, que trata da valoração aduaneira do software e indica que as partes devem considerar, para fins de valor aduaneiro, na importação de suportes físicos que contenham dados ou instruções, somente o custo ou valor do suporte físico propriamente dito. O valor aduaneiro não compreende o custo ou valor dos dados ou instruções, desde que estes estejam destacados do custo ou valor do suporte físico.

Essa decisão segue a lógica de que o Imposto de Importação incide sobre "mercadoria", ou seja, somente sobre o suporte físico que contenha os dados ou instruções. Para essa finalidade, é importante a distinção já tratada em artigo publicado no mês de outubro de 2012[2] entre o "software de prateleira" e o "software customizado", já que este pode ser caracterizado como prestação de serviços. Segue abaixo trecho da decisão 4.1.:

"(...) Na determinação do valor aduaneiro dos suportes físicos importados que contenham dados ou instruções, será considerado unicamente o custo ou valor do suporte físico propriamente dito. Portanto, o valor aduaneiro não compreenderá o custo ou valor dos dados ou instruções, desde que estes estejam destacados do custo ou valor do suporte físico (...)."

A decisão OMC 4.1. vai ao encontro do disposto no artigo 81 do Regulamento Aduaneiro e sua observação é de extrema importância, já que, caso não esteja destacado o valor do suporte físico na fatura comercial, a tributação incide sobre o valor da transação, considerando o valor dos dados e instruções contidos naquele, bem como o valor da embalagem, entre outros, conforme se verifica na decisão abaixo:

Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário Período de apuração: 19/01/1996 a 15/07/1999 Valor Aduaneiro. Software. Ausência de Destaque do Suporte Físico. Consequências. A exclusão do custo do software do valor aduaneiro somente pode ser levada a efeito se o valor do seu suporte de gravação encontrar-se destacado na fatura comercial que exterioriza a comercialização. Inteligência do art. 20 do Decreto nº 2.498, de 1998 e do art. 2º da Decisão 4.1., do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. RECURSO VOLUNTÁRIO NEGADO (3º Conselho de Contribuintes/3ª Câmara/ACÓRDÃO 303-35.531 em 12.08.2008)

Importante destacar, ainda, que a referida Decisão da OMC define que não se inclui no conceito de suporte físico, porém, circuitos integrados, semicondutores e dispositivos similares ou artigos que contenham esses circuitos ou dispositivos:

"(...) Para os efeitos da presente Decisão, a expressão "suporte físico" não compreende os circuitos integrados, os semicondutores e dispositivos similares ou os artigos que contenham tais circuitos ou dispositivos; a expressão "dados ou instruções" não inclui as gravações de som, cinema ou vídeo (...)."

O mesmo entendimento verifica-se na decisão do 3º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, no Acórdão nº 302-39.032, publicado em 16/10/2007, do qual se destaca o trecho:

"(...) Na importação de equipamentos eletrônicos, inexiste previsão legal para exclusão do valor aduaneiro do custo ou valor de softwarescontidos em circuitos integrados, semicondutores ou dispositivos similares, ainda que esse valor encontre-se destacado no documento de aquisição (...)."

Ainda com relação às decisões emitidas pelo Comitê de Valoração Aduaneira, abordando agora também a forma de aplicação dos métodos de valoração e demonstrando a sua utilização em um caso concreto ocorrido no Brasil, temos que a decisão 6.1., aprovada em 12 de maio de 1995, reafirma o disposto no artigo 17 do AVA, que diz que a administração aduaneira pode solicitar ao importador o fornecimento de informações, provas, explicações e documentos caso haja dúvidas quanto ao valor aduaneiro declarado. Na decisão, afirma-se ainda que, caso após os esclarecimentos ainda haja dúvidas quanto ao valor declarado, pode a autoridade administrativa decidir que o valor aduaneiro das mercadorias não pode ser determinado com base no artigo 1º (que dispõe que o valor aduaneiro de mercadorias importadas seja determinado, preferencialmente, pelo primeiro método).

Diante do exposto, fica demonstrado quão técnico é o tema da valoração aduaneira, ainda mais quando tratamos de produtos de rápido avanço tecnológico, como softwares e seus meios físicos. Os importadores devem se municiar desse conhecimento técnico e se resguardar de cuidados preventivos, para evitar decisões simplistas e arbitrárias da fiscalização aduaneira, que visam, em regra, ao lançamento fiscal em busca de maior recolhimento tributário.

[1] MACEDO, Leonardo Correia de Lima. Direito tributário no comércio internacional (acordos e convenções internacionais - OMC, CCA/OMA, Aladi e Mercosul). São Paulo: Lex Editora, 2005, pág. 65.

[2] http://www.liraa.com.br/conteudo/2421/imp-software.