Elaborado em 09/2012
O grupo de câmaras de direito público
do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), em 9.2.2012, ao
julgar o Mandado de Segurança nº 2011.087309-8, impetrado por empresa
preponderantemente exportadora, decidiu, em votação unânime, por afastar a
aplicação do art. 45-A do Decreto Estadual nº 2.870/2001(01),
que restringia o direito dos contribuintes catarinenses de transferir a
terceiros saldos credores provenientes de operações de exportação.
Ao fundamentar sua decisão, o
Desembargador Relator, Luiz Cezar Medeiros, invocou a Lei Complementar
nº 87/96 para asseverar que não é dado ao Fisco Estadual a
liberalidade de fixar limites ao montante de crédito transferível de ICMS em um
determinado período, quando a Lei Complementar
nº 87/96 não estabelece qualquer restrição nesse sentido.
Logo em seguida, o Relator ressaltou
que a manutenção e o aproveitamento do crédito de ICMS por contribuintes que
destinem mercadorias ao exterior são direitos expressamente previstos no art. 155, § 2º, inc. X, da Carta Magna.
Fato curioso e digno de nota se refere
à edição do Decreto Estadual
nº 801, de 9.2.2012 que, no mesmo dia em que foi proferida a
mencionada decisão do TJSC, revogou o art. 45-A do RICMS/SC.
No entanto, o referido ato normativo
acrescentou, nos parágrafos 4º e 5º do art. 40 do Regulamento Catarinense,
restrições muito semelhantes àquelas então existentes no revogado art. 45-A.
Basicamente o legislador estadual, sob
a alegação de que se deve observar a disponibilidade financeira do erário,
acabou por limitar nos mencionados parágrafos o direito de transferência do
saldo credor acumulado por contribuintes exportadores.
E pior! O legislador estadual, antes de
autorizar a transferência do saldo credor decorrente de operações de
exportação, irá considerar o ressarcimento efetuado pela União nos termos da Lei Complementar
nº 87, de 1996.
Talvez este último tipo de restrição
seja a mais nefasta aos detentores de créditos acumulados, pois, na tentativa
de inibir a transferência de desses créditos, o Estado literalmente joga a
culpa da sua ineficiência nas costas de terceiro (União Federal).
Com isso,
pretende deslocar o foco da questão jurídica para adentrar em discussões
econômicas que fogem ao alcance de juristas, operadores do Direito,
magistrados, entre outros.
A revogação de dispositivos cuja
constitucionalidade e legalidade são questionadas, seguida da edição de novas
normas de conteúdo semelhante ao daquela anteriormente existente não é
estratégia exclusiva do Estado de Santa Catarina. Este tipo de "manobra
política" tem sido muito utilizado por parte das Unidades Federadas.
Situação análoga ocorreu com a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 3390, ajuizada pela Confederação
Nacional da Indústria para suspender a eficácia de norma editada pelo Estado do
Rio de Janeiro, que impunha restrições ao aproveitamento e à utilização de
créditos decorrentes de exportação. Após a concessão de medida liminar pelo
Ministro Relator Joaquim Barbosa, o dispositivo atacado foi revogado pelo
legislador estadual, tendo a ADIN sido julgada extinta por perda superveniente
de objeto.
Seja como for, os contribuintes que
pretendem questionar as restrições impostas pelos Estados na transferência de
seus saldos credores de ICMS, seja para estabelecimentos do mesmo titular, seja
para o pagamento de fornecedores, seja para terceiros, podem contar com o
entendimento consolidado da 1ª e 2ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), as quais formam a 1ª Seção, que é a responsável pela uniformização da
jurisprudência relativa a questões tributárias, conforme se verifica dos
julgados abaixo transcritos:
"TRIBUTÁRIO
- ICMS - CRÉDITOS ACUMULADOS - TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS (CF/88, ART. 155, §
2º, XII e ART. 25, § 1º, II, LC 87/96)
1. O legislador constitucional estabeleceu hipótese de transferência de crédito acumulado, mas delegou à lei complementar a disciplina desta imunidade ou isenção heterônoma.
1. O legislador constitucional estabeleceu hipótese de transferência de crédito acumulado, mas delegou à lei complementar a disciplina desta imunidade ou isenção heterônoma.
2. A LC 87/96 estabeleceu no art. 25 duas hipóteses de transferência de crédito acumulado do ICMS. No § 1º, os créditos oriundos de operações de exploração de matéria-prima ou produtos industrializados, como previsto no art. 3º inciso II. No § 2º, delegou ao legislador estadual a escolha das hipóteses, quando pretendesse o contribuinte transferir o seu crédito a terceiro.
3. Hipótese dos autos em que a transferência a terceiros refere-se a créditos oriundos de operações disciplinadas no art. 3º, II, da LC 87/96.
4. Recurso provido (02)."
Ainda com relação a este julgado, vale
transcrever a parte final do voto proferido pela Min. Eliana Calmon:
"Pelo
texto, não é dado ao legislador estadual qualquer vedação ao aproveitamento dos
créditos do ICMS, sob pena de infringir o princípio da não-cumulatividade,
quando este aproveitamento se fizer em benefício de qualquer outro
estabelecimento seu, no mesmo Estado, ou de terceiras pessoas, observando-se
para tanto a origem no art. 3º. É exatamente esta última a hipótese dos autos,
porque a empresa objetiva transferir os créditos acumulados para terceiros.
Parece que o Tribunal a quo, ao examinar a querela, olvidou o § 1º e partiu para a interpretação da hipótese do inciso II do § 2º do art. 25 da LC 87/96, o qual não tem aplicação à espécie.
Assim sendo, concluo que têm as recorrentes inteira razão, quando afirmam o equívoco do Tribunal na interpretação do texto pertinente com o pedido, o que lhes garante, sem nenhuma legislação estadual, obter a declaração de crédito de que fala o inciso II, § 1º, da Lei Complementar 87/96, razão pela qual dou provimento ao recurso para conceder a segurança nos termos do pedido."
Mais recentemente, foi publicado
relevante precedente (Recurso Especial nº 1.252.683) em que o STJ, reiterando a
sua própria jurisprudência, reconhece com precisão a autoaplicabilidade dos
direitos concedidos pela LC 87/96
aos exportadores:
"TRIBUTÁRIO.
ICMS. LC 87/96. TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS DE CRÉDITOS ACUMULADOS EM DECORRÊNCIA
DE OPERAÇÕES DE EXPORTAÇÃO. ART. 25, § 1º, DA LC 87/96. NORMA DE EFICÁCIA
PLENA. DESNECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI ESTADUAL REGULAMENTADORA. INVIABILIDADE
DE VEDAÇÃO À TRANSFERÊNCIA.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que, conforme o disposto no art. 25 da Lei Complementar n. 87/96, há duas hipóteses de transferência de crédito acumulado de ICMS a contribuintes do mesmo Estado: (a) nos termos do § 1º, os créditos oriundos de operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados, ou serviços; e (b) nos termos do § 2º, os demais casos de saldos credores acumulados, a serem definidos pelo legislador estadual.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que, conforme o disposto no art. 25 da Lei Complementar n. 87/96, há duas hipóteses de transferência de crédito acumulado de ICMS a contribuintes do mesmo Estado: (a) nos termos do § 1º, os créditos oriundos de operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados, ou serviços; e (b) nos termos do § 2º, os demais casos de saldos credores acumulados, a serem definidos pelo legislador estadual.
2. A primeira hipótese prescinde de lei estadual regulamentadora, pois se trata de norma de eficácia plena. Neste sentido, o Min. Teori Albino Zavascki, no voto-vista proferido no RMS 13.969/PA (1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 4.4.2005), esclarece: "o art. 25, § 1º, da LC 87/96 é expresso ao conferir ao contribuinte detentor de saldos credores de ICMS acumulados desde a edição desse diploma legal, em razão de operações de exportação, a faculdade de aproveitá-los mediante transferência a qualquer estabelecimento seu no mesmo Estado (inciso I) e, havendo saldo remanescente, mediante transferência a outro contribuinte do mesmo Estado (inciso II) - utilizando-se, nesse segundo caso, de documento expedido pela autoridade fazendária reconhecendo a existência do crédito. Trata-se de norma de eficácia plena, que dispensa qualquer regulamentação por lei estadual. A legislação estadual é requerida apenas para o reconhecimento do direito à utilização, nas modalidades acima descritas, dos demais saldos credores acumulados a partir da decorrentes de exportações, nos inequívocos termos do § 2º do mesmo dispositivo ". Precedentes.
3. Ante a autoaplicabilidade do § 1º do art. 25 da Lei Complementar n. 87/96, e, sendo os créditos oriundos de operações disciplinadas no art. 3º, inciso II, do mesmo normativo, "não é dado ao legislador estadual qualquer vedação ao aproveitamento dos créditos do ICMS, sob pena de infringir o princípio da não-cumulatividade, quando este aproveitamento se fizer em benefício de qualquer outro estabelecimento seu, no mesmo Estado, ou de terceiras pessoas, observando-se para tanto a origem no art. 3º." (RMS 13544/PA, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.11.2002, DJ 2.6.2003, p. 229).
Recurso especial provido (03)."
Como se vê, o direito à manutenção e
aproveitamento dos saldos credores decorrentes das operações de exportação de
mercadorias é garantido pelo art. 155, § 2º, X, "a", da Constituição Federal,
sendo que o art. 25, § 1º,
II, da Lei Complementar 87/96 assegura aos contribuintes a
possibilidade de transferência desses créditos sem qualquer limitação de
legislação estadual ou das autoridades fiscais.
Assim, os contribuintes que se sentirem
prejudicados por qualquer tipo de limitação do direito líquido e certo de
transferência desses créditos, poderão se socorrer ao poder judiciário com boas
chances de êxito.
Notas
(01) Aprovou o Regulamento do ICMS do
Estado de Santa Catarina (RICMS/SC).
(02) STJ, ROMS 13.544-PA, Rel. Min.
Eliana Calmon, 2ª Turma, j. em 19.11.2002, DJ 2.6.2003.
(03) STJ, RESP 1.252.683-MA, Rel. Min.
Humberto Martins, 2ª Turma, j. em 21.6.2011, DJe 29.6.2011.
Marcos Engel Vieira Barbosa,
advogado em São Paulo. Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP). Cursando especialização em Direito Tributário
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (COGEAE). Membro da Academia
Brasileira de Direito Tributário (ABDT) e da Associação Paulista de Estudos
Tributários (APET). Associado ao escritório Mariz de Oliveira e Siqueira Campos
Advogados.
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